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Mostrando postagens de 2014

SÓ POR HOJE

Recolha, só por hoje, as aflições que te agoniam coloque-as num canto sem água, comida ou vento Estenda, então, teus braços a quem te pede um abraço e o nó que está no peito, logo  se torna um laço Visita o teu espelho e ensaia um  sorriso não pense ser conselho é beirada de egoísmo - também dele preciso, sem sentimentalismo, pra me sentir feliz, meu bem - Recolha, só por hoje; por hoje, amanhã e depois e depois e depois também SÓ POR HOJE - Lena Ferreira - dez.14

GRATIDÃO

Nem todo julgamento que condena É feito por juiz ou júri honesto Então, não se apoquente; vai pequena, E leva esse sorriso em protesto E a sensação de ter valido a pena Cada palavra e cada um dos gestos - como o frescor de uma  brisa amena, tão boa que compensará o resto - E assim, tranquila, abrace o novo ano Sem juras nem promessas, só um plano: Por tudo o que vier ter gratidão Ciente do que o que nos acontece Tem um motivo que se desconhece E traz consigo sempre uma lição GRATIDÃO  - Lena Ferreira - dez.14

AMPULHETA

Qual um punhado de farelo de centeio o tempo escorre fino pelos vãos dos dedos e não há como desvendarmos o segredo - se existisse -, para colocar-lhe um freio O vento sopra mesmo e, sem nenhum receio, espalha o pó dos grãos do tempo e os seus medos são semeados junto aos enganos ledos em solo vasto e produtivo - e alheios à essa trama, ao desperdício, aos desenganos, andamos todos , insensíveis, sub-humanos tentando refrear a areia da ampulheta... ...para ganhar grãozinhos dessas horas úteis depois gastá-las com assuntos bobos, fúteis enquanto, o que de fato importa, obsoleta - AMPULHETA - Lena Ferreira - dez.14

NO CENTRO COMERCIAL

Venho planejando, sem sucesso, um dia poder antecipar as compras de natal em, pelo menos, três meses. Sim, meu sonho de consumo! É que toda essa correria para os festejos de fim de ano sempre me afligiram. Lojas repletas, alvoroço, empurra-empurra, gritarias, dúvidas sobre o que comprar para cada um e o cuidado de não me esquecer de ninguém.  Passava sempre a  responsabilidade para terceiros, quartos, quintos. Qualquer um, desde que não fosse eu a  enfrentar a barbárie da comercialização pontual. Este ano, apesar do mesmo tumulto, das mesmas situações, resolvi encarar todo o processo com boa vontade e disposição. Saí de casa cedo e sozinha, sem hora pra voltar e pude observar  em cada rosto a mesma ansiedade que carregava comigo. E como me fez bem saber que não estava sozinha em meio aos conflitos sobre o que comprar, se vou acertar na escolha, se o preço é justo, se, se, se...  Mas sempre se tira algo de proveitoso em qualquer situação, basta treinar os olhos de ver, não é?  Pois

CONVITE

Agende isso: a vida lhe convida para ser viço CONVITE - Lena Ferreira - 

BORDADO

Sob o olhar de uma lua adversa tecemos um bordado com nova postura com fios finos de cores várias, diversas e alinhavamos novos sonhos com ternura Com um terno beijo, entre uma e outra conversa, reafirmamos a antiga e eterna  jura enquanto a noite, sem  sinalizar sua pressa, recebe a madrugada, mansa, que murmura Suas canções suaves, doces, tão macias em notas calmas, de perfeita harmonia, sopradas por um céu todinho estrelado Também sem pressa, acordamos mais um dia finalizando, ponto a ponto, a poesia que bem combina com os detalhes do bordado BORDADO - Lena Ferreira  - dez.14

ALÉM DO HORIZONTE

Amanhecer  vendo o  calmo  semblante e esse  seu sorriso espontâneo e franco me alegria, me faz confiante e me reanima pra enfrentar o tranco E esse compasso, bonito, sonante e tão cuidadoso que imprime na fala é como um mantra, é tão contagiante que a passarada, pra ouvir, se cala Permita o universo, que conspira - para quem labuta, transpira - inspira conserve sua vida por bom tempo E um pouco mais e mais  porque é preciso espalhar  a luz do seu  franco  sorriso, além desse  horizonte que contemplo ALÉM DO HORIZONTE  - Lena Ferreira -

DE NOVO

Falta bem pouco para que o ano termine e com essa 'deixa' do calendário, as promessas logo se assanham: parar de fumar, perdoar um desafeto, retomar a dieta, fazer mais exercícios, menos tempo nas redes sociais, sair mais, falar menos, ouvir mais, se estressar menos, dar, doar e doar-se  mais... E vão se acumulando, engordando a fila, infinitas e infinitas promessas sob a jura de que serão cumpridas no ano que vem. Promessas protocolares que aos milhares sabemos que não serão pagas a curto prazo. Nem a longo, pensando bem. É no passo a passo que a coisa acontece e uma, sem querer, vai puxando a outra e quando menos percebemos, deixamos de ser como não queríamos para sermos os mesmos, mas diferentes, melhores para nós e, consequentemente, para os outros. Falta bem pouco para 2014 ir embora. Pouquíssimo mesmo. Mas, não precisamos deixar que ele se vá levando essa impressão de nós; meros espectadores, esperando que promessas, como num passe de mágica, resolva nossas questões. S

VILLE BOLOGNA (à Ana Amélia)

Parti logo depois de ter partido sem ao menos ter podido deitar o meu olhar no teu olhar Tão puro, tão negro e tão limpo tão lindo e...tão lindo, lindo luzindo mais do que o luar Por ele, sim, quisera ter sido engolido Parti partido por não ter podido mergulhar nessa negritude pura e linda e limpa e pura indo, indo, indo, indo, indo, indo... - nos teus olhos de oceano naufragaria antes mesmo de zarpar - VILLE BOLOGNA (à Ana Amélia) - Lena Ferreira - dez.14

NA SERRA

Daqui do alto tudo embaixo se apequena corpo e alma se asserenam e a visão se torna clara Daqui do alto contemplo a paisagem amena nada em volta me condena e o meu coração dispara Daqui do alto tudo visto é poesia tudo é troca e a energia recebida é joia rara NA SERRA - Lena Ferreira - dez.14 *

SINAIS

Era tarde. Horas altas. Após considerar as tantas faltas, abriu a porta gradeada que dava para a varanda e com passos decididos, cruzou o curto espaço que a separava do portão de ferro, preso ao muro já sem reboco, prestes a cair. Firme, empurrou a tramela e alcançou a rua comprida e escura. Consigo, levava somente a roupa do corpo e uma breve sensação de liberdade que há muito não experimentava.  Deixou a chave pendurada na porta, por dentro. A mala, desfeita, jogada aos pés da cama e, encostada à mesa do canto da sala, uma história incompleta a qual decidira não escrever mais. Respirou fundo e seguiu em frente sem olhar para trás. A cada passo dado, rememorava os dias, os meses e os anos entre planos desperdiçados e desenganos com os quais, consciente, permitia, pouco a pouco, se anular.  Uma única lágrima ensaiou alisar o seu rosto magro por todo desgosto passado. Mas, passou e porque sobrevivera até ali, engoliu. Não seria a vez primeira. Mas, a última, jurara.   Com os pés pe
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* meu versejar, entenda, não é diário de adolescente, moça, que despeja tristezas, frustrações e o que deseja e, longe de ser extraordinário, é verso que a mente fértil cria; após observar certos semblantes invento alguns enredos relevantes que, tola, penso eu ser poesia porém, não pense que, por isso, minto; enquanto escrevo, é vivo o que sinto desde o início até a assinatura meu versejar é imaginativo e mesmo dispensando qualquer crivo aceito de bom grado o da loucura - Lena Ferreira -

AUSCULTA

Quando te pressinto auscultando o esquerdo  espaço, já não mais me  disfarço; visto o meu melhor sorriso e, de improviso, lanço mão de infantes gestos como se fosse um maestro em testes de iniciação Tonta em emoção,  revisto o antigo álbum de discos e, sem temer maiores riscos, escolho o que mais aprecias Em sintonia, escuto o sopro das mesmíssimas cifras - as que nos decifram -, nos teus lábios e, tão de perto... ...que aperto os meus, enquanto idealizo o nosso beijo tamanho é o desejo de  ver-me envolta nos teus braços AUSCULTA  - Lena Ferreira – dez.14

dádiva

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dai o pão de cada dia e a poesia que alimenta dai o sol que acorda o dia dai a fé que nos sustenta dai a força e a coragem para seguir na jornada que seguir, pouca bagagem, é ser livre na estrada dai a gota do sereno dai o viço dos Teus olhos dai amor em peito pleno dai Teu viço nos meus olhos dai, à vida, a nova vida dai, à morte, a nova morte dai certeza à nova lida dai firmeza à nova sorte dai o pão de cada dia dai, à nossa poesia...   - Lena Ferreira - 

HASTE

à Celia Domingos -  E por ser feita de verdades conseguiu sair inteira de onde  brotavam tempestades e não foi a vez primeira Onde a metade da vontade rendeu a vida, carcereira, ventou com graça e suavidades e ternuras - tão brejeira - Envergando as adversidades quebrantou a seta certeira que tentava ferir a felicidade de quem não possui fronteira HASTE - Lena Ferreira - 

ASPIRANTE

Sentou-se com os cílios cerrados para enxergar bem por dentro tudo que corria por fora E embora a pensassem dormindo acordava assim o seu centro Sentou-se com sua alma de andanças tão natural em leveza - mas que o caos diário agita -  Assim, sentiu bem no meio da palma o seu frescor e a pureza que a luz adentro  possibilita - sentou-se esperança e, aspirando toda a calma, levantou-se criança - ASPIRANTE - Lena Ferreira – dez.14

OUTROS TEMPOS

Houve um tempo em que uns precipícios convidando-me a um cego salto, seduziam-me (e eu, um ser incauto, me lançava num  fim sem princípios) Houve um tempo também em que uns abismos atraentes com os seus tantos vãos acenavam-me (e eu, poupando os nãos, me entregava qual no romantismo) Entre um tempo e outro, chuva forte alagou estes olhos  - por sorte, clareou-os e enxergar já consigo - Outros tempos, é certo, virão mas já posso contar com a visão de que em mim é que mora o inimigo OUTROS TEMPOS - Lena Ferreira - dez.14 *

CLICHÊ

Desconheço a receita de amar a dose certa; colherada, gota, litros mas nunca fui de homeopatias Desobedeço prescrições desconsidero possíveis contraindicações Sei do seu peso; leve e com sua leveza, cabe até no descabido e, onde encontra brecha, faz seu abrigo Não sei ao certo se ou o quanto sou amada esta é uma dúvida que não me arrasta - o simples fato de sentir que estou amando  é o que, verdadeiramente, me basta - CLICHÊ - Lena Ferreira - dez.14

ELEITOS

Líquidas, as canções da madrugada deslizam perenes pelo escuro do quarto e, com seus sussurros ternos, muitos, vários, acariciam levemente cada canto oculto Acordam as lembranças já dormentes conversam com os poros, peles e pelos e, despertando os instintos verdadeiros, desatam os nós dos sóis; juntos, e sós E, enluarando-os, espraiam pela cama a chama que, nos dois peitos, andava fria - e, apagando os passinhos dos ponteiros, elegem os primeiros nessa nova sinfonia -  ELEITOS - Lena Ferreira - dez.14

VIGÍLIA

Por quanto tempo mais, eu me pergunto, cultivaremos esse absurdo hiato esse silêncio indiscreto, essa distância segura que mais aproxima do que nos afasta Por quanto tempo mais? Penso que basta... Há tanta espera daquelas frases benditas e nós permanecemos nesse bobo impasse: se nada lhe digo, nada, nada me fala Por quanto tempo ainda em solo impróprio se apropriará do meu melhor verbo? Talvez me canse, talvez se canse talvez o meu alcance seja limitado Tão distintos, sim. Tão mais profuso e tão diverso; rimas, eufemismo, dicionário eu, de tão rasa e confusa, me policio temendo esbarrar nos seus cristais Então, seguirei minha sina, secretamente catarseando hipérboles em versos vagos e, tropeçando em certos verbos brancos, vigiarei a semente, silente e discreta - aguardando o instante em que a casca se rompa   e de lá verdejem falas macias e abertas - VIGÍLIA - Lena Ferreira - dez.14

DO QUE DISTA

Do parto até o nascimento há chegadas e partidas há vãos estacionamentos há acenos sem despedidas Há tentativas e fracassos há silêncios e fala excessiva de  braços querendo abraços mas, do orgulho, não se privam Há chuvas e tempestades há terremotos, poças d’água há céu limpo, em claridades enxugando a gota-mágoa Há caminhos e descaminhos há frutas, flores e folhas há cheiros, gostos, espinhos há dúvidas, certeza, escolhas   Há sombra para o descanso há escaldantes desertos há recuo e passos em avanço há sábios, ingênuos e espertos Há brisa e há forte vento há guerras e também há lutas há paz - a que nasce de dentro e não se conquista à força bruta - Há tantas palavras inúteis como estas que agora digo que ganham o status ‘fúteis’ se não lhes faço de abrigo (...) Há fagulhas de entendimento dando-me a noção da medida que dista o parto do nascimento: a maneira de olhar  para a vida

VENTO VELHO

Vento, velho aventureiro, com seus pezinhos miúdos vai cortando, ao meio, mundos lançando um olhar zombeteiro Pela estrada, vai certeiro vai levantando do fundo sentimentos tão profundos e suspiros derradeiros Deixa rastros no caminho deixa marcas, sinais tantos - deixa vincos, sulca risos - Vento, velho, não tem ninho mas, ao longe, escuto o canto numa voz que não preciso VENTO VELHO  - Lena Ferreira -

A PORTA

Há tempos, a porta do armário do quarto dava sinais de desgaste. Rangia, travava, recusava a chave e ameaçava cair. Ela, fingindo que estava tudo bem, não recorreu ao marceneiro, amigo que ofereceu serviço gratuito. Recolhia as roupas do varal, dobrava-as sem grandes cerimônias e entulhava-as pelas gavetas abarrotadas. Os cabides pediam clemência, tantas peças em desuso. Fechada a porta, nada era visto afinal. E assim, seguia nesse adiamento. Até que... Ao tentar abrí-la, como num ato de revolta, a porta caiu pesada no seu pé direito. Um urro estridente e dolorido ecoou pelo quarto. Pela casa. Pela rua. Quase arrancou-lhe uma das unhas, a do dedão. Deixou no ar uma palavra que recuso pronunciar. Não por castidade. Aliviada a dor primeira, colocou a bendita num canto e só então percebeu, de verdade, a desordem de dentro. Caos. Absurdo. Descuido. Desleixo. Deu as costas a tudo aquilo e foi cuidar do dedo que sangrava. E muito. Enquanto isso, pensava em como seria olhar para aquele cen

BASTANTE

Que me baste essa brisa mole, leve que  beija, breve, meu rosto suavizando a insana vontade de agarrar cada ponta do vento Que me baste esse sol matutino a temperar minha pele sufocando a necessidade de provocar vulcões adormecidos Que me baste este verso mal escrito a acariciar o meu pensamento silenciando esse desejo incontido de fazer ouvir os meus rasos lamentos Que me baste esse instante breve sussurrando baixinho que quando se perde uma batalha nem sempre significa que fomos vencidos Que me baste... BASTANTE   - Lena Ferreira - dez.14

VENTANTE

Vento vasto, varre e verte vozes de sonhar ao longe leva meu pensar, e breve, a atingir picos e montes Vento vibra, a voz inverte arremessando promessas atingindo a mente em greve açoitando vãs remessas Vento venta, fortemente assassinando torturas libertando toda mente que se esquece na clausura Vento avisa e brisa a folha sacudindo o pó da escolha VENTANTE - Lena Ferreira -

OS OLHOS DE BIA

- à Bia Cunha - Os olhos de Bia liam Mia, de Barros, Clarice liam tudo aquilo que vissem liam a vida na vaga do verso Os olhos de Bia viam tudo de dentro pra fora viam tudo; chegando, indo embora e faziam, de ver, um universo Os olhos de Bia eram olhos de um verde outono nem por isso criam no abandono e o vento ventava-lhe a paz Os olhos de Bia tinham um brilho assim, transbordante: eram dois risos contagiantes era um olhar de querer  sempre mais OS OLHOS DE BIA – Lena Ferreira – dez.14

OLHAR DESCALÇO

Com um  olhar descalço e desnudo andava livre por este mundo afora umas vezes falante, em outras, mudo vez ou outra estacionava e, com demora, bebericava os detalhes da paisagem de gole em gole, sorvendo as delícias desses lugares e guardava na bagagem juntamente com as anteriores notícias Embriagado, sentava quieto num canto e rabiscava todas as suas impressões em versos vários e distribuía um tanto pra que o vento ventilasse suas emoções -s omente então outro porto escolhia    para embarcar em mais uma viagem onde seu olhar desnudo em tudo via  poesia e descalço, lambia, inteirinha, a paragem- OLHAR DESCALÇO – Lena Ferreira – dez.14

NO QUINTAL

  Desde muito pequenina que esta mente, campo fértil, pegou delírio. Deitada na grama estreita que quarava roupas no fundo do quintal, contava as inúmeras vezes que as nuvens mudavam de forma e ficava por incontáveis minutos, distraída e só, imaginando danças de núpcias, funerais, vida e festas, folguedos e muito mais... De quando em quando, o vento mudava o enredo e lá ia eu para outro delírio. E, só.  Voava em pensamento com as pipas coloridas que salpicando o céu de dezembro, lambia-o com suas rabiolas-bailarinas e quando eram ‘cortadas’ após um duelo coreográfico, meu pensamento ia encontrá-las no suposto lugar da queda, acarinhando as ‘feridas’. Mas logo seguia em outra viagem. Olhava para o jardim ralo que, cercado por um canavial, assustava muita gente. Para mim,  nunca foi um jardim somente. Era o mundo inteiro que eu  conhecia e era imenso e me pertencia. As árvores eram minhas irmãs e confidentes. Ouviam pacientes, segredos e medos infantes e respondiam sempre solidá

SEM MAIS

Um dia, saberás dos desmotivos e quando o acaso acontecer  pressinto-te em espanto ao concluirdes que a loucura que supunhas habitar-me vai muito além do que pudeste pressupor Não encontrarás nenhuma pontinha de orgulho ou medo ou pretensão no labirinto que, calado, adentrarás ou nesse nada raso e vasto como me julgas  em vazio à imensidão dos que consentem. - um dia, saberás dos desmotivos; teus olhos vívidos logo verão e identificarão os raros sinais – Sem mais por hora, o que me resta é essa espera  sem ais. SEM MAIS - Lena Ferreira- nov.14

CONFIA

- Em memória ao meu ''vô'' José Ferreira - Possuía o dom inexplicável de aquietar-me a ansiedade. Sentava-se ao meu lado e, como quem nada quisesse, recolhia minhas mãos ao seu peito e com um jeito particular e delicado, roçava os seus magros dedos no vão dos meus. Ficávamos assim por horas, num silêncio oportuno, desprecisados de palavras e gestos. Às vezes, um vento estranho e torto passeava pelos quintais da minha distraída mente, despertando medos vazios e tolos. Era o suficiente para que brotassem estrelas pequeninas e cintilantes nos meus olhos, prestes a escorrer pelos cílios. Ele intuia sempre esse tal vento em desvario vário e antes que a constelação despencasse, rompia seu silêncio solidário com sua voz de algodão que enchia o ambiente  numa só palavra: confia. Com essa sinalização, respirava largo e fundo e engolindo a cintilância das estrelas, extinguia o gosto amargo do pensar no que não devia. O silêncio então voltava a se sentar entre nós dois e com

ROGO

(...)aflição de te amar, se te comove e sendo água, amor, querer ser terra" - Hilda Hilst - E sendo mar, assim tão inconstante, adormeço nas ondas densas de afagos enquanto rogo aos deuses, santos e pagãos:  - Misericórdia, misericórdia! Faz-me terra, um porto um tanto mais seguro. Asseguro-vos que assim sendo, sendo assim, entenderei a pulsação que vai na palma. E que amar é qual  sereno, leve, leve. É  brisa, brisa fresca  e constante. É alma mansa e não essa tempestade febril e enfermiça  que cansa e eriça os  nervos em alarde. E arde à flor da pele. E inflama a calma, tornando irritadiça toda a lava que ia adormecida, afastando possibilidades; as possíveis e as improváveis. Misericórdia... Faz-me terra e, devotada, apagar-se-ão as chamas que consomem este meu mar. Faz-me terra, passos firmes, resolutos, já que luto pela calma em tanto amar... ROGO – Lena Ferreira – nov.14

CONCEPÇÃO

Hei de fazer-te um poema mesmo que, quando o leias, desidentifique-te absurdando pelas imagens propostas supondo-me em loucura ao concebê-las Terão estrelas, como esses teus  olhos de enigma que gotejam em cada um dos cheios versos seduzindo as nuvens macias enfeitiçando toda a passarada Serão aladas todas as letras e voejando, soltas e leves circundarão o teu pensamento percorrerão artérias e veias Terão sereias, tritões, ondas e ondas e no mergulho em vivas águas respirarás um ar mais do que puro expirarás mais e mais poesia Será o dia mais que perfeito o dia em que este poema conceba somente assim asserena este peito mesmo que ao lê-lo, nada  percebas Hei de fazer-te um poema... CONCEPÇÃO – Lena Ferreira - nov.14

rimas secretas

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... a s coisas que não dissemos - supondo-as subentendidas - descansam nas entrelinhas dos versos engavetados - mas, na vaga da alma, roçam - pergunto se há quem possa destrancar essas gavetas e, em minuciosa e sã leitura, esmiuçar as secretas rimas - só um silêncio extenso me responde - pergunto, então, quando e onde perdemos a sintonia: perdemos a sintonia? - mas a resposta se esconde - pudesse, trocava a chave por beijos de maresia e, despida de garantias, deitaria as rimas mais secretas nesses teus lábios finos de gosto grave RIMAS SECRETAS – Lena Ferreira – nov.14

COMUNHÃO

O verso ouviu o vento e estremeceu temendo ser levado a um canto escuso temendo pelo modo inconcluso com o qual a pena frágil o escreveu O vento, percebendo o medo tanto do verso, se achegou e mansamente soprou em suas letras docemente aquietando a febre e o quase pranto Dizendo, com cuidado e com carinho: te levarei comigo por caminhos distintos, diferentes; bem diversos Dá-me tua mão sem medo; só confia assim como quem ama, a poesia é comunhão, pertence ao Universo COMUNHÃO – Lena Ferreira – nov.14

ESTERNO

É com os dedos delicados de reserva que asseguras o pulsar no teu esterno tão secreto e tão bem cuidado quase, quase, quase indecifrável não fosse essa calma de ensaio e esses olhos moles, moles, moles afogados numa espera eterna - eterna, eterna e terna espera - por quem partiu em suave desaviso e numa dessas noites de lua adversa seguindo os passos das dúvidas certas levou sua sombra, deixando úmidos rastros: um poema manuscrito e inacabado, o vento solícito dos desassossegados, o pó suspenso e irritadiço da saudade e o caos instaurado no esquerdo canto - que o teu externo quase bem disfarça - ESTERNO - Lena Ferreira  - nov.14

ELA

  Em cada alvorecer, caminhava como se flutuasse por um céu gentil emprestando, ao caminho ternura distribuindo sorrisos amenos aos que passassem por ela Saudava os passarinhos em voo pleno beijava o perfume das flores entreabertas e quieta, espalhava o pólen, fértil, em outros quintais desnutridos Ao sol do meio-dia, breve pausa para embriagar-se de vento Descansada, leve então seguia à tarde, ao encontro da brisa distraindo-se entre os arvoredos com seus medos infantes e segredos E seguia, sempre nua, sempre lua ao encontro da noite e, serena, bordava sonhos no manto escuro até a próxima alvorada ELA – Lena Ferreira – nov.14

INTIMIDADE

A primeira vez que o vi,  foi um espanto; suas ondas atritando com rochedos despertaram um misto de fascínio e medo e a maciez em espumas, quanto encanto! A segunda vez que o vi, como um acalanto suas ondas iam e vinham ao meu encontro e ninavam o pensamento ainda não pronto que agitava a pulsação do esquerdo canto A terceira vez que o vi e as outras tantas numa intimidade que só se agiganta mergulhei nas suas águas sem receio Das marés que lhe visitam em alternância e das luas que lhe ditam a inconstância; faço meu o seu princípio, o fim e o meio INTIMIDADE - Lena Ferreira - nov.14

SUPOSIÇÕES

Tentou adivinhar o meu desejo embora estivesse tão distante alheio ao que eu sinto e ao que vejo sem precisar o que me é constante E nessa tentativa, o julgamento pesado veio a me cobrir os ombros mas a benevolência de um vento o espantou e junto, foi o assombro E na leveza que o vento me deixa deslembro o motivo do qual se queixa e sigo o meu caminho como quero Inútil é insistir provar o que seja a alguém que os meus olhos nunca veja e só suponha o que da vida espero SUPOSIÇÕES - Lena Ferreira - nov.14

ETERNAMENTE

Ouvi chamar pelo meu nome e era o vento. E era o vento com sua voz macia e doce. E era o vento, mas quisera tanto fosse Um outra voz; a que preciso no momento.                                        Ao seu chamado, respondi: volte mais tarde E por favor, traga consigo a presença Dessa outra voz que necessito e que me pensa Já esquecida de nós dois e assim resguarde Suas palavras, seu olhar, silêncio e gesto. E é por isso que meu nome eu lhe empresto Para que sopre mansamente em seu ouvido Estes meus versos que, nascidos num rompante, Me denunciam a eternamente amante Que morreria antes de tê-lo esquecido... ETERNAMENTE – Lena Ferreira – nov.14

CONTROVERSO

Enquanto escrevo, traço itinerários diversos onde rabisco soluções aos descaminhos nas entrelinhas dos pretensiosos versos. Em pensamentos quase sempre tão dispersos letras tortas dizem o que não adivinho; que só residem num inverso controverso. Enquanto escrevo, embora acordada, sonho. E quando durmo, a realidade recomponho. CONTROVERSO – Lena Ferreira – nov.14

NO ATO

Na cadência de suados suspiros o aroma de uma primavera inteira exala pelos poros dos corpos-de-lírios... ...que, no ato, desabrocham. NO ATO - Lena Ferreira -

REDESCOBERTAS

Ah, esses seus olhos de coberta Emprestam-me o calor de dois verões Quando transitam pelas minhas estações Até re-pousarem no fundo dos meus, quietos Ah, esses seus olhos de coberta Quando bendizem a palavra sacrossanta Num afago cílio a cílio, me imantam; Flutuo num cômodo conforto aberto Até re-pousar nos seus braços E nesses olhinhos de coberta Que põem os meus instintos em alerta Despindo cada um dos meus pedaços Ah, esses seus olhos de coberta Aquecem-me em tantas redescobertas... REDESCOBERTAS – Lena Ferreira - nov.14

SOLIDÁRIO

É com os ouvidos na palma que escuta, atento, as confidências e os lamentos quando essa alma enluarada se agita; se o discurso é sangria, pra quê contê-la? Então, com os braços da alma, acalma as tensões de mais um dia entre conflitos no seu colo manso, tempestade e ventania logo se esvaem; pra quê retê-las? E enquanto a madrugada em passos leves passeia entre as calçadas de estrelas, instaura em mim a calma, ainda que breve... - logo adormeço sonhando em mantê-la - SOLIDÁRIO - Lena Ferreira -

SEU NOME

Seu nome tamborila no meu mar inteiro. Saltitando nessas ondas de frágeis espumas, constela-me estrelas com seu hálito de maresia num afago aos cabelos recobertos de luas minguantes. Bronzeia-me a pele da alma com seus dedos delicados de sol e, sorrindo ao meu bobo sorriso, descongela-me a timidez. Então, ousa... Na sensatez de um oceano vasto em marés que me consomem, abraça-me os lábios antes mesmo que eu consiga pronunciar... ...seu nome. SEU NOME – Lena Ferreira – nov.14

VALSA

É doce e aflito o pulsar que ora me chega por esse vento que me vem de longe e, leve, vem e reclama as feitas frases fracionadas vem insistente num compasso claro e vivo vem sussurrando em sibilantes aliterações Como orquestrasse uma valsa vienense os seus acordes rodopiam pelos rubros salões, incitam intensas vibrações nas doidas cordas e acordando as sensações então dormentes valsam-me enquanto verto em verso ebulições VALSA – Lena Ferreira – nov.14

DESSAS NOITES

É dessas noites que eu te falo, arfante, quando, em galopes sussurrados e macios, fundamos vales e escalamos colinas bebendo a sede descoberta em cada curva É dessas noites em que o suor é quase chuva e, lavando o cansaço da rotina em linha reta, desperta as ousadias mais secretas que te falo arfante, coberta por um sol que nunca dorme É dessas noites em o desejo é enorme que falo, arfante, acordando instintos esquecidos para que a calma, vez ou outra, perca o juízo e, sem prejuízo, morra no vão do nosso abraço DESSAS NOITES - Lena Ferreira - *

CIRANDA

Despeço-me acenando para a tarde Nas mãos, levo um tecido leve e fino Com o qual um vento, livre tal menino Brincando, agita-o com enorme alarde. Meus olhos, vivos, cheios de sorrisos Assistem, alegres, a infante cena A alma, pouco a pouco, se asserena. -um bem que, há muito tempo, eu preciso- A noite vem descendo em tom suave Permitindo que a cena inteira grave Pra reprisá-la paulatinamente. Então, meus olhos fecham as cortinas Enquanto as estrelinhas, tal meninas Cirandam a lua cheia, alegremente. CIRANDA - Lena Ferreira - nov.14

COMPROMISSO

Por cada riso e cada ponto por cada lágrima vertida por cada vírgula e cada encontro por cada dúvida invertida Por cada nó e cada abraço por cada ‘nós’ em cada aperto por cada linha e cada traço por cada certo e desacerto Por cada longe feito perto por cada passo e descompasso por cada cumprimento aberto por cada antigo e novo laço Por cada dobra de conquista por cada vinco ultrapassado por cada presente na lista por cada um que esteve ao lado Por cada cisma e cada sismo por cada abalo e cada tombo - bem na beirada do abismo, pra cada susto, houve-me um ombro Por cada vida em cada vida por cada risco e cada corte por cada adeus sem despedida por cada desrumo do norte (...) Por cada um de tudo isso e um pouco mais de desrazão, é que entendi o compromisso de agradecer sem distinção COMPROMISSO - Lena Ferreira - nov.14 *re

NÓS

Eu, coberta de ausências claras, descubro-te nas faltas raras desnudo de explicações. Tu, liberto da desculpa frágil, descobre-me em excesso ágil desnuda de ponderações. Nós, distintas linhas, em sequência cobrimo-nos com as consequências das mais desnudas sensações. NÓS - Lena Ferreira - mai.14

VELHO MOÇO

Conheço-te somente de vista de uma vista que bem pouco alcança é certo mas o que não vejo perto me entristece tanto; magro, seco,estéril e impotente incapaz de alimentar a sua prole e não pelo peso da idade Não tenho conhecimento de causa -dirão- mas sei do orgulho que te movia desfilando vasto e fértil e hoje muito me comove vê-lo à míngua sem língua e, sem fala, calou-se a fartura do leito onde a margem é toda falta Ah, Chico, velho moço que antes corria solto no fundo de tantos quintais hoje, apenas, a penas, se arrasta; é onde se alastram a fome, a sede, o descaso, a penúria alimentadas por secas lágrimas ...e muitos ais VELHO MOÇO - Lena Ferreira - nov.14

MAIS QUE VERSOS

Ele caminha sob a noite enluarada tem como abrigo um céu coberto de estrelas no pensamento, nada mais que sua amada e o desejo de poder, nos braços, tê-la Caminha calmo na certeza do encontro sem se importar com a distância percorrida leva no peito um poema quase pronto onde o desfecho é, da amada, a acolhida Ele caminha e a noite também caminha e a cada passo, a certeza mais se aninha na alma que no amor distante ainda confia: Quando chegar, nem notarão o seu cansaço os dois serão somente um, num terno abraço e, mais que versos, serão uma poesia MAIS QUE VERSOS - Lena Ferreira - nov.14

ENTRE

Enquanto a alma sobra solta no corpo amanhecido palavras, gentilmente, vão encaixando-se no meio de um vão entre as teias e as veias tímidas ainda que levemente pulsam e brevemente pausando... ...acordam o coração da inspiração que, em resposta, injeta o sangue novo, aquarelado, no sistema circular, percorre artérias, acelera o pulso, alarga os olhos que se alagam e expande a emoção por todo o corpo que desperta Uma das mãos tateia o leito virgem e branco e enquanto a outra prende a pena entre os dedos, a cena que se empoça no olhar que ora mareja goteja e cada gota imprimindo sensações... ...desenha emoções entre as palavras. ENTRE - Lena Ferreira - mai.14

ACONCHEGO

No aconchego do teu abraço esqueço-me dos dias urgentes, dos dias aflitos em busca insensata e do encontro-conflito com a dama ingrata que usurpava a razão - paixão, hoje, não... Enquanto sussurras tuas ternas juras de amor eterno - enquanto dure - ao pé do meu ouvido a calma abraça a minha alma e avisa-me do amor manso e sincero que há tanto tempo espero para o meu coração... No aconchego do teu abraço - coberta de carinho - descanso o cansaço das buscas inúteis e urgentes, descanso serenamente nesse confortável ninho bordado por uma calma sensação... ACONCHEGO - Lena Ferreira - 

BIGAMIA

Percebo um silêncio que, mansamente, flerta comigo desde que a minha alma amanhece até que eu anoiteça. E, mesmo sabendo-me casada com a inquietude, insiste; sorri das queixas vazias, dos risos bobos, dos lamentos fúteis, das fúrias breves e euforias largas. Sempre, sempre com um sorriso miúdo, refrescante e sedutor. Ando pensando, seriamente, em render-me à sua proposta: calar o tempo, observar um tanto mais de tudo o que se passa antes de libertar o verbo da garganta. Antes de por a língua em cena. Antes de por o mundo a perder. Antes de... Ando pensando em reservar a ele, pendurado no céu da minha boca, a palavra sacrossanta loucamente profanada até aqui. Quem sabe assim, travemos uns diálogos mais macios...Quem sabe, então, a compreensão desça com calma dos céus... Talvez assim, os véus que cegavam a razão, se extinguam e os olhos enxerguem o que antes se revestia de mistério. Com os poros, peles e pelos entregues a esse apelo silente, os lábios quietos, alimentar-s

eu não sou flor que se cheire

Imagem
*** eu não sou flor que se cheire; sou flor que o perfume exala quando ouve e sente a fala delicada, mansa e sincera não sou flor de primavera sou de todas estações suportei vários verões e a dureza dos invernos sempre com um sorriso terno mesmo na adversidade não por mera vaidade; questão de sobrevivência não sou flor de quintessência nascida num solo seco flor que careceu de esterco flor que não suporta vasos flor que tem os olhos rasos tem amor à poesia tem coragem e, noite e dia, tenta o ajuste da essência  – Lena Ferreira – out.14

TARDES DE OUTUBRO

Nessas tardes de outubro, cai a chuva sobre as flores. É o céu que se comove diante de tanta beleza que a natureza apresenta e alimenta os olhares do mundo. No cenário que vislumbro, cada gota representa uma lágrima sincera desse céu que, comovido, verte a sua gratidão por mais uma primavera. Nessas tardes de outubro, sinto o quanto vale a espera e, num suspiro mais profundo, em cada gota, em cada respingo, lavo a alma e o coração e um novo perfume descubro... TARDES DE OUTUBRO – Lena Ferreira - out.14

ADERÊNCIA

Eflúvios de proporções cristalinas vestem os vários mergulhos de nós entre espumas rutilantes e fartas entre os afagos calmos e precisos - pelos cantos contidos dos apelos pelos veios ocultos e distintos - Aderem peles, poros, pelos e, impudicos, entregamo-nos, inteiros, ao momento deslocando esse tempo que morre lento, vagarosamente lento e só - pelos cantos do cômodo conforto pelos meios improváveis do instinto - Nessa mansidão demorada e morna pétalas de estrelas purpurinadas orbitam entre as imensuráveis delícias perfumando promessas impossíveis  ADERÊNCIA - Lena Ferreira -

FILTRO

Aprender a filtrar o que se ouve e o que se diz garante-nos um pouco mais de energia para saborear o dia, a semana, o mês, o ano, a vida! É um exercício contínuo e árduo, sim, no começo mas dominada a 'técnica', fica mais fácil e tem valido muito a pena. Entender que nem tudo o que nos enviam precisa ser recebido, poupa-nos de desgastes desnecessários. Se aceito, passa a ser meu. Descarto. Há tanto de bom e de bem para ser vivido e que é servido minuto a minuto que se ocupo as mãos com o que subtrai, não haverá meios de receber o que acrescenta. Cada um dá ou deseja ao outro, o que tem. Eu desejo-lhes o bem. FILTRO - Lena Ferreira - out.14

ANTES NÃO

Uns virão e ficarão por perto outros não Uns irão e voltarão pra perto outros não Esta é a lei: nada é certo nada é seu nada é meu nada é em vão E assim ir e vir 'não' e 'sim' se revezando e aceitando as escolhas Como folhas de outono de ninguém ninguém é dono Mas, abrace a sensatez: antes 'não' do que 'talvez'... ANTES NÃO - Lena Ferreira – out.14

EU POETA

Há um ser que em mim habita e transborda em sentimentos e nesse transbordamento à alma possibilita Viagens de entrega plena de entrega que varre mundos mergulho, vou lá no fundo retorno, leve e serena Como um sopro de brisa, leve minha mão, num instante breve conduz, calmamente, a pena Sentindo-me tão pequena perante o que me repleta descubro o meu eu poeta EU POETA - Lena Ferreira - 13/11/08

NO SILÊNCIO DA MANHÃ

No silêncio da manhã que se inicia eu elevo o pensamento, ensolarado por um céu de brilho intenso azulejado sob as nuvens que o vento acaricia Logo sinto responder-me a energia de um sol que me abraça com cuidado de um sol zeloso que ia preocupado com meu riso disfarçado de alegria Retirando o ranço dos resmungos tristes embalou a sombra do que não existe enviando cordialmente ao passado No silêncio da manhã, meu peito leve pronuncia uma oração sincera e breve: gratidão pelo presente renovado NO SILÊNCIO DA MANHÃ - Lena Ferreira

DE QUANDO

Sentada na varanda, te espero, ao lado da roseira cor de rosa e abraço a lembrança mais frondosa onde era meu teu verso mais sincero. Talvez pelo perfume que exala das rosas, o passado venha à tona. - de quando, do teu peito, eu era a dona rimando o verso que hoje se cala. - Sentada na varanda, sinto o vento acarinhando o vão do pensamento que teima em prosseguir nessa espera. Talvez, quem sabe um dia, na chegada tu digas que ainda sou tua amada e dê-me o beijo que jamais me dera DE QUANDO - Lena Ferreira - mai.14

CONVERTO

Avesso o verso e inverto o verbo em desaviso amasso o maço de papel e o improviso arrasta a voz e atrai os nós todos pra dentro que, emaranhados, travam a via bem no centro Imerso em vento, em passo incerto então, deslizo analisando o traço e o risco, catalizo as impressões entrelinhadas mar a dentro que muitas vezes servem, à ferida, unguento Converto o sopro da sangria e cicatrizo o corte raso e em superfície, paraliso a pulsação - privo de ar mas, só aguento até a próxima aventura em que adentro - CONVERTO – Lena Ferreira – jun.14

DO SOPRO

Sentindo o sopro da palavra ao longe sussurrada, delicada, sobre a pele nua se declara, instintiva, pelos poros; sua gotejando incertos versos de amar baixinho E tentando ocultar alguns segredos castos sob as folhas de um outono morno, lento e vasto retempera as sensações em verbetes voláteis na viagem onde o embarque não pergunta quando E do sopro, certas folhas que iam semimortas reanimam, reverdejam, transferindo o viço para o pouso desses versos em outras viagens resguardando a semente do vento inverniço DO SOPRO – Lena Ferreira – mai.14

DO PULSO

E na briga contra o tempo tropeços trituram os ponteiros segundos apressando efeitos demonstram os defeitos não raros minutam as horas em desgoverno e o pulso, o pulso em frangalhos Ah, tempo...Há tempo? Qual jeito? - Ouvir o tique-taque do peito. DO PULSO - Lena Ferreira - out.14

ENTRE SUSSURROS

A tarde vai deitando quase calma Na palma, levo um tanto da esperança De quem ainda caminha e não se cansa De carregar o bem no pulso d'alma Em breve, a noite vem trazendo a brisa Pra aliviar, do dia, esse mormaço E, da palavra,  todo esse cansaço Que, num quase silêncio, me avisa Entre sussurros castos e tão puros Que, erguendo pontes no lugar de muros, A caminhada, sim, será mais leve A noite desce e a madrugada avança Meus olhos, tal qual olhos de criança, Levam esse dito para a alma que escreve ENTRE SUSSURROS - Lena Ferreira - out.14

INTACTO

Guardo o teu nome inteiro, completo sob a língua, intacto de saliva e quando a lua cheia míngua traz à rua uma particular tonalidade que adorna este casto segredo ...meu medo primeiro é que descubras nessas horinhas descuidadas, rubras, a palavra colorida, perfumada e curta ladeada à tua breve e leve assinatura e que mantém a minha chama acesa ...medo mesmo, o que mais me loucura, é que descubras e, indiferente, permaneças com a tua muda deixando a minha assim, à míngua embora tesa secretamente... INTACTO - Lena Ferreira - out.14

DA JANELA

A noite aperta seus olhinhos já miúdos enquanto a lua bocejando me acena - é a madrugada despedindo-se serena - talvez por isso os meus versos fiquem mudos diante de tão exuberante e linda cena com um sol sorrindo ensaiando mais um dia; ponho de lado o papel, a tinta e a pena e, da janela, leio a mais perfeita poesia DA  JANELA – Lena Ferreira – out.14