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Mostrando postagens de 2016

as vezes

a ti que sangra as vezes que me firo e que me escuta sem que eu nada diga no pó da ausência que me desabriga deixo a presença enquanto me retiro do verso posto as vezes que deliro - e quase sempre a mente assim me obriga - trazendo à tona a sensação antiga da dissonância enquanto me refiro à toda espera de promessa isenta e à jura idosa sobre o que apascenta as folhas que despencam sem contrato a ti que sangra o meu deserto longo quisera dar o oásis de um ditongo... ...não fosse a aridez deste hiato   - Lena Ferreira -

em sucessão

pudesse, dar-te-ia esse silêncio sacrossanto que tanto e tanto e tanto, insistente, solicitas num quase desespero que me faz plantar certezas nas dúvidas discretas com colheita garantida capaz de encher um silo com os grãos das mudas falas que andam pelas salas qual correntes sem cinzel mas, hão de concordar com este sim, ser injustíssimo que venhas, persistente, me pedir o que não tenho embora o desempenho faça-me mover os céus regresso com excesso de insucesso em sucessão pudesse, dar-te-ia ainda mais do que me pedes dar-te-ia esse silêncio e outros tantos, todos, tudo... mas, falta-me a vontade para abandonar a sede e a sede que me grita, é infinita e eu não mudo deixando o que me impede revelar-se pelos véus - Lena Ferreira -

o mundo ainda é o mesmo

folhas murmuram querentes de água não pela sede; mais pelo  vício das mágoas passadas debaixo da ponte não há resquícios nas margens no meio e no fundo o mundo ainda é o mesmo, mas é outro o olhar que se debruça sobre um rio perene sob um céu de um azul instável cônscio de que as nuvens peregrinas estendem seus rosários no horizonte saúda uma brisa bem tranquila que lhe responde em gestos de sereno cordata, agua as folhas, louva o tempo e benze o vento novo com um sorriso calmo e profuso - Lena Ferreira - 

utópica e atípica

cada um de vós que quase veloz me escapa nos momentos mais escusos dessas horas mais dispersas vagará pelas estradas aparentes numa busca improfícua pelo assento que abrigue o verbo pouco onde a ausculta é o intento às vivas vozes que aspiram por sossegos e que expiram seus airosos segredos nos pulmões de um velho vento cada um de vós que quase veloz me escapa aos lugares mais estanques com seus frívolos andares nos deleites insuspeitos, nos delírios, nos rumores nos temores quase ocultos no fundo de algum peito como um círculo imperfeito de uma busca infinita utópica e atípica e como outras mãos que pulularam etapas, cada um de vós que quase veloz me escapa retornará para casa onde há calma à leitura e entendimento às vozes afora essa lonjura - Lena Ferreira - 

em silêncio e falta

celebro-te em silêncio e falta que quase se ajustam na ciranda eterna dos desassossegos quase que em improviso quase que imperfeito quase que imprevisto quase um desapego e na festa, isenta de convidados, acendo um incenso sobre as pausas mais extremas ascendo uns versos no altar de alguns dilemas apago as luzes que me espionam segredos danço lua em fase incauta e, nesse enredo, celebro-te em silêncio e falta - amanheço pauta das canções sem medo - - Lena Ferreira - 

os quatro

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... e, porque nada me dizes, nada falo fico assim, assimilando o trato há tempos subentendido embora os olhos cheios - cheios, os quatro - dialogando longamente leve-nos as almas a passeios - Lena Ferreira - in Devaneios 

plantação

antes de ser verbo o verso é espada e escudo entre os dias, o nada e o tudo vasculhado pelo seu reverso antes de ser verbo o verso atravessa o mundo bebe o raso e fala ao fundo descompacta o todo imerso antes de ser verbo o verso é só fragmento é como pingo no pensamento em semente; pede plantação antes de ser verbo o verso é fruto que espera por aquela mão que prepondera ao colher, pura, a inspiração - Lena Ferreira -

instintivos

Sob o efeito de umas notas sussurradas sobre a pele numa improvável conquista quase, quase se ouvia aplausos antecipados, infinitos instantâneos, instintivos caros, efusivos dos pelos dispostos a abraçarem o palco da voz explorando outros acordes em detalhes um querer tanto de impensado aprendiz harmonizava os ventos fartos da cadência despreocupado com excelência, perfeição e sob o olhar de uma lua imprevista entre a calma e uma breve insensatez tocava notas e mais notas e mais notas e sustenidos nos lençóis de um branco giz até que, em êxtase, a música se fez entre aplausos - pausa - mais aplausos ...e o bis  - Lena Ferreira - in Devaneios

CONTO I

Recebeu o carregamento de tijolos com a mesma satisfação de criança que recebe um brinquedo novo e, sozinha, pôs-se escada acima os levando ao terraço.  Era sábado, dia de praia e shopping e ela ali, num sobe-e-desce exaustivo. Mas, nada tirava de Marinez o sorriso dos determinados, dos que acreditam que só o esforço aliado a certos sacrifícios fazem com que se alcance um objetivo firmemente traçado, embora simples. Um cômodo pequeno que, antes mesmo de nascer, ganhara o nome de Guardador de Ideias. Ali, acomodaria livros, projetos, tintas, telas, material reciclável, enfim, tudo o que inspirasse transpiração. E os tijolos subiam. Tarefa de um dia inteiro, finalizada com o corpo robusto lavado de suor, cansaço e orgulho. Daquele orgulho bobo, sabe? Que não se compara à pretensão de se pensar melhor do que aquelas que dependem de homens para esse tipo de serviço. Mas aquele orgulho de ter vencido uma etapa da única competição proposta e possível; superar-se. Apesar da força das circu

OUTRA MESMA

Interrogo as exclamações expressas os pontos reticentes   os parágrafos e os finais: de ontem o que fui sou a mesma? Intuo uma resposta: em construção, sou a mescla da de outrora com a que está no agora outra mesma amanhã a essência e o vivido que acrescenta me acompanham do mais me despeço me dispo ou tento amanhã embora perto é tão incerto é como vento amanhã nem mesmo as pedras serão as mesmas é só questão de tempo OUTRA MESMA - Lena Ferreira -