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Mostrando postagens de novembro, 2014

NO QUINTAL

  Desde muito pequenina que esta mente, campo fértil, pegou delírio. Deitada na grama estreita que quarava roupas no fundo do quintal, contava as inúmeras vezes que as nuvens mudavam de forma e ficava por incontáveis minutos, distraída e só, imaginando danças de núpcias, funerais, vida e festas, folguedos e muito mais... De quando em quando, o vento mudava o enredo e lá ia eu para outro delírio. E, só.  Voava em pensamento com as pipas coloridas que salpicando o céu de dezembro, lambia-o com suas rabiolas-bailarinas e quando eram ‘cortadas’ após um duelo coreográfico, meu pensamento ia encontrá-las no suposto lugar da queda, acarinhando as ‘feridas’. Mas logo seguia em outra viagem. Olhava para o jardim ralo que, cercado por um canavial, assustava muita gente. Para mim,  nunca foi um jardim somente. Era o mundo inteiro que eu  conhecia e era imenso e me pertencia. As árvores eram minhas irmãs e confidentes. Ouviam pacientes, segredos e medos infantes e respondiam sempre solidá

SEM MAIS

Um dia, saberás dos desmotivos e quando o acaso acontecer  pressinto-te em espanto ao concluirdes que a loucura que supunhas habitar-me vai muito além do que pudeste pressupor Não encontrarás nenhuma pontinha de orgulho ou medo ou pretensão no labirinto que, calado, adentrarás ou nesse nada raso e vasto como me julgas  em vazio à imensidão dos que consentem. - um dia, saberás dos desmotivos; teus olhos vívidos logo verão e identificarão os raros sinais – Sem mais por hora, o que me resta é essa espera  sem ais. SEM MAIS - Lena Ferreira- nov.14

CONFIA

- Em memória ao meu ''vô'' José Ferreira - Possuía o dom inexplicável de aquietar-me a ansiedade. Sentava-se ao meu lado e, como quem nada quisesse, recolhia minhas mãos ao seu peito e com um jeito particular e delicado, roçava os seus magros dedos no vão dos meus. Ficávamos assim por horas, num silêncio oportuno, desprecisados de palavras e gestos. Às vezes, um vento estranho e torto passeava pelos quintais da minha distraída mente, despertando medos vazios e tolos. Era o suficiente para que brotassem estrelas pequeninas e cintilantes nos meus olhos, prestes a escorrer pelos cílios. Ele intuia sempre esse tal vento em desvario vário e antes que a constelação despencasse, rompia seu silêncio solidário com sua voz de algodão que enchia o ambiente  numa só palavra: confia. Com essa sinalização, respirava largo e fundo e engolindo a cintilância das estrelas, extinguia o gosto amargo do pensar no que não devia. O silêncio então voltava a se sentar entre nós dois e com

ROGO

(...)aflição de te amar, se te comove e sendo água, amor, querer ser terra" - Hilda Hilst - E sendo mar, assim tão inconstante, adormeço nas ondas densas de afagos enquanto rogo aos deuses, santos e pagãos:  - Misericórdia, misericórdia! Faz-me terra, um porto um tanto mais seguro. Asseguro-vos que assim sendo, sendo assim, entenderei a pulsação que vai na palma. E que amar é qual  sereno, leve, leve. É  brisa, brisa fresca  e constante. É alma mansa e não essa tempestade febril e enfermiça  que cansa e eriça os  nervos em alarde. E arde à flor da pele. E inflama a calma, tornando irritadiça toda a lava que ia adormecida, afastando possibilidades; as possíveis e as improváveis. Misericórdia... Faz-me terra e, devotada, apagar-se-ão as chamas que consomem este meu mar. Faz-me terra, passos firmes, resolutos, já que luto pela calma em tanto amar... ROGO – Lena Ferreira – nov.14

CONCEPÇÃO

Hei de fazer-te um poema mesmo que, quando o leias, desidentifique-te absurdando pelas imagens propostas supondo-me em loucura ao concebê-las Terão estrelas, como esses teus  olhos de enigma que gotejam em cada um dos cheios versos seduzindo as nuvens macias enfeitiçando toda a passarada Serão aladas todas as letras e voejando, soltas e leves circundarão o teu pensamento percorrerão artérias e veias Terão sereias, tritões, ondas e ondas e no mergulho em vivas águas respirarás um ar mais do que puro expirarás mais e mais poesia Será o dia mais que perfeito o dia em que este poema conceba somente assim asserena este peito mesmo que ao lê-lo, nada  percebas Hei de fazer-te um poema... CONCEPÇÃO – Lena Ferreira - nov.14

rimas secretas

Imagem
... a s coisas que não dissemos - supondo-as subentendidas - descansam nas entrelinhas dos versos engavetados - mas, na vaga da alma, roçam - pergunto se há quem possa destrancar essas gavetas e, em minuciosa e sã leitura, esmiuçar as secretas rimas - só um silêncio extenso me responde - pergunto, então, quando e onde perdemos a sintonia: perdemos a sintonia? - mas a resposta se esconde - pudesse, trocava a chave por beijos de maresia e, despida de garantias, deitaria as rimas mais secretas nesses teus lábios finos de gosto grave RIMAS SECRETAS – Lena Ferreira – nov.14

COMUNHÃO

O verso ouviu o vento e estremeceu temendo ser levado a um canto escuso temendo pelo modo inconcluso com o qual a pena frágil o escreveu O vento, percebendo o medo tanto do verso, se achegou e mansamente soprou em suas letras docemente aquietando a febre e o quase pranto Dizendo, com cuidado e com carinho: te levarei comigo por caminhos distintos, diferentes; bem diversos Dá-me tua mão sem medo; só confia assim como quem ama, a poesia é comunhão, pertence ao Universo COMUNHÃO – Lena Ferreira – nov.14

ESTERNO

É com os dedos delicados de reserva que asseguras o pulsar no teu esterno tão secreto e tão bem cuidado quase, quase, quase indecifrável não fosse essa calma de ensaio e esses olhos moles, moles, moles afogados numa espera eterna - eterna, eterna e terna espera - por quem partiu em suave desaviso e numa dessas noites de lua adversa seguindo os passos das dúvidas certas levou sua sombra, deixando úmidos rastros: um poema manuscrito e inacabado, o vento solícito dos desassossegados, o pó suspenso e irritadiço da saudade e o caos instaurado no esquerdo canto - que o teu externo quase bem disfarça - ESTERNO - Lena Ferreira  - nov.14

ELA

  Em cada alvorecer, caminhava como se flutuasse por um céu gentil emprestando, ao caminho ternura distribuindo sorrisos amenos aos que passassem por ela Saudava os passarinhos em voo pleno beijava o perfume das flores entreabertas e quieta, espalhava o pólen, fértil, em outros quintais desnutridos Ao sol do meio-dia, breve pausa para embriagar-se de vento Descansada, leve então seguia à tarde, ao encontro da brisa distraindo-se entre os arvoredos com seus medos infantes e segredos E seguia, sempre nua, sempre lua ao encontro da noite e, serena, bordava sonhos no manto escuro até a próxima alvorada ELA – Lena Ferreira – nov.14

INTIMIDADE

A primeira vez que o vi,  foi um espanto; suas ondas atritando com rochedos despertaram um misto de fascínio e medo e a maciez em espumas, quanto encanto! A segunda vez que o vi, como um acalanto suas ondas iam e vinham ao meu encontro e ninavam o pensamento ainda não pronto que agitava a pulsação do esquerdo canto A terceira vez que o vi e as outras tantas numa intimidade que só se agiganta mergulhei nas suas águas sem receio Das marés que lhe visitam em alternância e das luas que lhe ditam a inconstância; faço meu o seu princípio, o fim e o meio INTIMIDADE - Lena Ferreira - nov.14

SUPOSIÇÕES

Tentou adivinhar o meu desejo embora estivesse tão distante alheio ao que eu sinto e ao que vejo sem precisar o que me é constante E nessa tentativa, o julgamento pesado veio a me cobrir os ombros mas a benevolência de um vento o espantou e junto, foi o assombro E na leveza que o vento me deixa deslembro o motivo do qual se queixa e sigo o meu caminho como quero Inútil é insistir provar o que seja a alguém que os meus olhos nunca veja e só suponha o que da vida espero SUPOSIÇÕES - Lena Ferreira - nov.14

ETERNAMENTE

Ouvi chamar pelo meu nome e era o vento. E era o vento com sua voz macia e doce. E era o vento, mas quisera tanto fosse Um outra voz; a que preciso no momento.                                        Ao seu chamado, respondi: volte mais tarde E por favor, traga consigo a presença Dessa outra voz que necessito e que me pensa Já esquecida de nós dois e assim resguarde Suas palavras, seu olhar, silêncio e gesto. E é por isso que meu nome eu lhe empresto Para que sopre mansamente em seu ouvido Estes meus versos que, nascidos num rompante, Me denunciam a eternamente amante Que morreria antes de tê-lo esquecido... ETERNAMENTE – Lena Ferreira – nov.14

CONTROVERSO

Enquanto escrevo, traço itinerários diversos onde rabisco soluções aos descaminhos nas entrelinhas dos pretensiosos versos. Em pensamentos quase sempre tão dispersos letras tortas dizem o que não adivinho; que só residem num inverso controverso. Enquanto escrevo, embora acordada, sonho. E quando durmo, a realidade recomponho. CONTROVERSO – Lena Ferreira – nov.14

NO ATO

Na cadência de suados suspiros o aroma de uma primavera inteira exala pelos poros dos corpos-de-lírios... ...que, no ato, desabrocham. NO ATO - Lena Ferreira -

REDESCOBERTAS

Ah, esses seus olhos de coberta Emprestam-me o calor de dois verões Quando transitam pelas minhas estações Até re-pousarem no fundo dos meus, quietos Ah, esses seus olhos de coberta Quando bendizem a palavra sacrossanta Num afago cílio a cílio, me imantam; Flutuo num cômodo conforto aberto Até re-pousar nos seus braços E nesses olhinhos de coberta Que põem os meus instintos em alerta Despindo cada um dos meus pedaços Ah, esses seus olhos de coberta Aquecem-me em tantas redescobertas... REDESCOBERTAS – Lena Ferreira - nov.14

SOLIDÁRIO

É com os ouvidos na palma que escuta, atento, as confidências e os lamentos quando essa alma enluarada se agita; se o discurso é sangria, pra quê contê-la? Então, com os braços da alma, acalma as tensões de mais um dia entre conflitos no seu colo manso, tempestade e ventania logo se esvaem; pra quê retê-las? E enquanto a madrugada em passos leves passeia entre as calçadas de estrelas, instaura em mim a calma, ainda que breve... - logo adormeço sonhando em mantê-la - SOLIDÁRIO - Lena Ferreira -

SEU NOME

Seu nome tamborila no meu mar inteiro. Saltitando nessas ondas de frágeis espumas, constela-me estrelas com seu hálito de maresia num afago aos cabelos recobertos de luas minguantes. Bronzeia-me a pele da alma com seus dedos delicados de sol e, sorrindo ao meu bobo sorriso, descongela-me a timidez. Então, ousa... Na sensatez de um oceano vasto em marés que me consomem, abraça-me os lábios antes mesmo que eu consiga pronunciar... ...seu nome. SEU NOME – Lena Ferreira – nov.14

VALSA

É doce e aflito o pulsar que ora me chega por esse vento que me vem de longe e, leve, vem e reclama as feitas frases fracionadas vem insistente num compasso claro e vivo vem sussurrando em sibilantes aliterações Como orquestrasse uma valsa vienense os seus acordes rodopiam pelos rubros salões, incitam intensas vibrações nas doidas cordas e acordando as sensações então dormentes valsam-me enquanto verto em verso ebulições VALSA – Lena Ferreira – nov.14

DESSAS NOITES

É dessas noites que eu te falo, arfante, quando, em galopes sussurrados e macios, fundamos vales e escalamos colinas bebendo a sede descoberta em cada curva É dessas noites em que o suor é quase chuva e, lavando o cansaço da rotina em linha reta, desperta as ousadias mais secretas que te falo arfante, coberta por um sol que nunca dorme É dessas noites em o desejo é enorme que falo, arfante, acordando instintos esquecidos para que a calma, vez ou outra, perca o juízo e, sem prejuízo, morra no vão do nosso abraço DESSAS NOITES - Lena Ferreira - *

CIRANDA

Despeço-me acenando para a tarde Nas mãos, levo um tecido leve e fino Com o qual um vento, livre tal menino Brincando, agita-o com enorme alarde. Meus olhos, vivos, cheios de sorrisos Assistem, alegres, a infante cena A alma, pouco a pouco, se asserena. -um bem que, há muito tempo, eu preciso- A noite vem descendo em tom suave Permitindo que a cena inteira grave Pra reprisá-la paulatinamente. Então, meus olhos fecham as cortinas Enquanto as estrelinhas, tal meninas Cirandam a lua cheia, alegremente. CIRANDA - Lena Ferreira - nov.14

COMPROMISSO

Por cada riso e cada ponto por cada lágrima vertida por cada vírgula e cada encontro por cada dúvida invertida Por cada nó e cada abraço por cada ‘nós’ em cada aperto por cada linha e cada traço por cada certo e desacerto Por cada longe feito perto por cada passo e descompasso por cada cumprimento aberto por cada antigo e novo laço Por cada dobra de conquista por cada vinco ultrapassado por cada presente na lista por cada um que esteve ao lado Por cada cisma e cada sismo por cada abalo e cada tombo - bem na beirada do abismo, pra cada susto, houve-me um ombro Por cada vida em cada vida por cada risco e cada corte por cada adeus sem despedida por cada desrumo do norte (...) Por cada um de tudo isso e um pouco mais de desrazão, é que entendi o compromisso de agradecer sem distinção COMPROMISSO - Lena Ferreira - nov.14 *re

NÓS

Eu, coberta de ausências claras, descubro-te nas faltas raras desnudo de explicações. Tu, liberto da desculpa frágil, descobre-me em excesso ágil desnuda de ponderações. Nós, distintas linhas, em sequência cobrimo-nos com as consequências das mais desnudas sensações. NÓS - Lena Ferreira - mai.14

VELHO MOÇO

Conheço-te somente de vista de uma vista que bem pouco alcança é certo mas o que não vejo perto me entristece tanto; magro, seco,estéril e impotente incapaz de alimentar a sua prole e não pelo peso da idade Não tenho conhecimento de causa -dirão- mas sei do orgulho que te movia desfilando vasto e fértil e hoje muito me comove vê-lo à míngua sem língua e, sem fala, calou-se a fartura do leito onde a margem é toda falta Ah, Chico, velho moço que antes corria solto no fundo de tantos quintais hoje, apenas, a penas, se arrasta; é onde se alastram a fome, a sede, o descaso, a penúria alimentadas por secas lágrimas ...e muitos ais VELHO MOÇO - Lena Ferreira - nov.14

MAIS QUE VERSOS

Ele caminha sob a noite enluarada tem como abrigo um céu coberto de estrelas no pensamento, nada mais que sua amada e o desejo de poder, nos braços, tê-la Caminha calmo na certeza do encontro sem se importar com a distância percorrida leva no peito um poema quase pronto onde o desfecho é, da amada, a acolhida Ele caminha e a noite também caminha e a cada passo, a certeza mais se aninha na alma que no amor distante ainda confia: Quando chegar, nem notarão o seu cansaço os dois serão somente um, num terno abraço e, mais que versos, serão uma poesia MAIS QUE VERSOS - Lena Ferreira - nov.14

ENTRE

Enquanto a alma sobra solta no corpo amanhecido palavras, gentilmente, vão encaixando-se no meio de um vão entre as teias e as veias tímidas ainda que levemente pulsam e brevemente pausando... ...acordam o coração da inspiração que, em resposta, injeta o sangue novo, aquarelado, no sistema circular, percorre artérias, acelera o pulso, alarga os olhos que se alagam e expande a emoção por todo o corpo que desperta Uma das mãos tateia o leito virgem e branco e enquanto a outra prende a pena entre os dedos, a cena que se empoça no olhar que ora mareja goteja e cada gota imprimindo sensações... ...desenha emoções entre as palavras. ENTRE - Lena Ferreira - mai.14