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Mostrando postagens de abril, 2015

NO VALE

No meu lado, as folhas caem suaves das árvores que tremem com o vento de um outono levíssimo e satisfeito com algumas chuvas desavisadas No vale, as flores despencam graves levando as casas, os homens e os templos de uma primavera onde os escombros brotam nos ombros; pesar sem perfume Precipita-se a chuva nos olhos miúdos de fome gritante e pedintes de auxílio - onde a Terra treme, há sustos e medo que o resto do mundo permaneça surdo - NO VALE  - Lena Ferreira - abr.15

reconstrução

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entra, só não repare na bagunça andei mudando incertas coisas do lugar aliviando grandemente a confusão senta, só não dispare vãs perguntas andei ouvindo uns silêncios de perto azulejando zelosamente a audição sinta, só não compare as respostas andei pensando antes do pesar do vento auxiliando enormemente  na arrumação veja, a casa ainda é torta e a janela, às vezes, aperta mas sua porta, sempre, sempre esteve aberta colaborando imensamente com a reconstrução - Lena Ferreira - abr.15

MODINHA

Anoiteceu entre as desculpas e as promessas que as nuvens peregrinas lhe trouxeram novamente sem sono, sem certezas e de razão já descoberta aconchegou-as junto às juras no seu colo calmamente logo lhes lançaram um olhar esguio e mole, mole e clemente suspirando em ais:  - me arrependi - então, bordou um manto de linha em cores íntimas e úmidas e, enquanto as agasalhava, solfejava uma modinha antiga do solfejo, o que dizia, o meu peito abriga: "uma vez mais amor teci" MODINHA - Lena Ferreira - abr.15

NESSAS NOITES

Nessas noites de tortura em páreo exílio até o vento vem vestido de galopes a distância e o silêncio são dois golpes na saudade que no peito já fez trilho Fora o vento, parece nada se move além destes olhos cheios de estrelas resguardando o orvalho pra não entristecê-las mas, parece que o céu todo se comove Comovido, faz do vento doce brisa que, tão doce, chega e logo me avisa das notícias, dos rumores mais precisos E, rompendo a tortura do exílio páreo, essa brisa trouxe o gosto necessário às lembranças que acordaram meus sorrisos NESSAS NOITES - Lena Ferreira - abr.15

PELA PORTA DOS FUNDOS

Era cedo e, no espreguiçar rotineiro antes de sair da cama, percebi entrar pela porta dos fundos um silêncio terno que se sentou ao meu lado. Não havia vento nem brisa, apesar da janela aberta. As cortinas iam imóveis e os móveis, parados. Não ouvia o farfalhar dos pássaros como costumeira recepção matinal, apesar de vê-los empoleirados nos galhos. Não havia um sinal de ruído em volta. Nenhum passo nos cômodos, nenhum riso de estio. Tudo era como um delicado vazio. Nada se movia a não ser o pensamento que girava diante dessa situação intrigante. Somente eu, o silêncio e um barulho incômodo vindo de dentro que, há tempos, ensaiava uma conversa. Sem saída, rendi-me aos seus apelos e, assistida pelo silêncio, pus-me a ouvi-lo. Falou-me das insatisfações e dos gritos abafados que suportou calado por conveniência. Falou-me das desistências, de suas vontades e de tantas verdades que me negava a ouvir. Falou-me das somas, dos sumos sumiços e dos compromissos que sempre adiava. Falou-

ITINERÁRIO

Lá vai mais um pensamento aos lugares de abandono como folhas de outono carregadas pelo vento Lá vai com seus passos lentos e razão que não tem dono vai numa noite sem sono vai cumprir o seu intento E no breve itinerário colhe os fatos mais vários guardando-os em um surrão No retorno à sua casa esses fatos, já com asas, pousam na inspiração  - ITINERÁRIO - Lena Ferreira - abr.15 

VULNERÁVEIS

Nessas manhãs de frio discreto galhos seminus se ajeitam tentando o hábito com o vento Bebericando a essência da noite - que se deitou madrugada na relva - raízes engordam a seiva Aves arrulham pousadas nas copas e, enquanto planejam viagens, o ensaio do voo abate  as folhas poucas No ventre dessas folhas em queda cochilam certos versos líricos   - que não acordam com gritos, mas são vulneráveis aos sussurros - VULNERÁVEIS - Lena Ferreira - abr.15

RECOMEÇOS

Enquanto a noite avança inteira em calma meus passos levam-me à beira de um lago onde respiro do instante um trago e estaciono as dores de minha alma Um vento morno, cheio de ternura vem e abraça o meu pensamento tão delicado, desfaz meu tormento e enche meu peito de paz e brandura Nesse momento, paciente desfaço os nós da trama que, em embaraço, traziam-me recorrentes tropeços Refeitos fios, alivio no peito um pensamento leve, à mente, ajeito: a vida é teia eterna em recomeços RECOMEÇOS - Lena Ferreira - abr.15

RELATOS - III

No alto, onde o silêncio não come, panelas vazias vão cheias de fome. Nos pratos, transbordam as contas de ontens alimentadas por homens bêbados de estrelas. Farinha e fumaça dão liga à fermentação. Aqui embaixo, não vejo nenhum indício do início das construções. Promessas que sempre surgem em tempos de campanha. “Em breve, creche-escola.” Mas, o agora urge... E, enquanto meninos dormindo ainda visitam a santa inocência, precoces vestidos de homens acendem morteiros um tanto aturdidos. Cortam o silêncio que no alto não se aplica alvoroçando o silêncio intocável do outro alto.  Traçantes em febre respondem. Maculam a sua trajetória. Paredes choram as suas feridas. Sangram estilhaços de vidro. Quando amanhece, jornais correm o asfalto contando por alto o quê do acontecido. “Balas foram encontradas no peito de um futuro perdido.” diz o legista. Da madrugada que ninguém sonha, esta é só mais uma notícia que entra na conta da estatística...   RELATOS - III - Lena F

SOBRE O QUE VALE

Na noite que inicia mansa e em calma logo cresce, um vento generoso alisa as dobras do passado.  Passando o amarrotado, guarda todo o passo a passo. Da alma, faz armário onde o bom tempo o adormece. Assim, num sono leve; acorda-o quando necessita pinçar ensinamentos nos vieses das lembranças: dos tropeços aos sorrisos, das partidas às cheganças. Fio a fio, ponto a ponto, num bordar-se que não cansa... Na noite que inicia mansa e em calma se faz plena, um vento generoso transbordante em otimismo refaz caminhos, pontes, laços, desconstrói abismos e firma os passos sobre o que, de fato, vale a pena. SOBRE O QUE VALE - Lena Ferreira - abr.15

REESTREIA

Pálida é a manhã enquanto brota entre as folhas por um fio em desmaio e umas frases de estio, encobertas pelo orvalho preguiçoso, madrugado - derramado em essência almiscarada, anuncia as despedidas já previstas entre manhas e manias tão incertas entressafra - flores, dores, riso, frio - e, enquanto os seus galhos se esticam, semiventos que se ocupam com as nuvens aquarelam as bordas da tela azulada em matizes de um alaranjado morno - não de repente, o sol reestreia no céu acaricia as folhas e doura a pele da manhã - REESTREIA - Lena Ferreira - abr.15

LÍNEO

Quisera tanto entender esse silêncio inconcluso e na tentativa vã de compreender teus desmotivos desentenderam-se letras e linhas e gestos impensados desassistidos a largo, te afastaram ainda mais; pudera... - de essência precipitada, lancei-me em ditos absurdos e aflitos exercendo um não sei o quê de dedos e pés pelas mãos no mesmo solo onde desculpas infundadas germinavam cortando as raízes das possibilidades, ralas e franzinas - por que não e tão somente ter os passos no presente sendo um ser tão consistente quanto és, e líneo andando macio e puro e reto, saudando pedras e aves? - mas, não sou nada disso por enquanto - no exercício teimoso, aguardo um vento novo ou brisa leve ou ventania ou temporal que me trague, consertando os passos rasos do passado enquanto não, levo-te no colo de um pensar que me consola: olhos fechados, embalo ainda o teu perfume amendoado sob esta pele agridoce de esperas corrugadas LÍNEO - Lena Ferreira - abr.15

insurgentes

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** enquanto, de um lado, um exército de certezas prontas exibindo suas medalhas e conquistas desfila num pátio extenso e movediço recrutando soldados que, deslumbrados, se rendem à alta patente em excelência... ...do outro lado,   no asfalto, certas dúvidas resolutas não se alistam,   não compram suas certezas absolutas nem se rendem às suas promessas,   às suas juras caminham em passos ditos de loucuras sem prestarem continência - e não por insurgência; nasceram para procuras - -  Lena Ferreira  -

REMISSÃO

Deixou de maldizer o mar e a lua - culpá-los pela alteração das rotas - e as frases várias de instabilidade seguiram rituais compromissados com versos descendentes do instante Absolvendo o vento e os seus mitos fantasmas, monstros e assombrações seguiram em fractais embarcações no curso de um verbo ressonante onde o deságue é retorno ao aprisco - bendito todo aquele que se aceita apesar dos pesares e dos riscos - REMISSÃO - Lena Ferreira - abr.15

VERSUS PATHOS

Se o intento é me entender, esqueça os versos: são, muitas vezes, verdades que invento quando ouço estórias de nuvens, de ventos, de espelhos d’agua, de fatos diversos Se o intento é me entender, vem que converso; olhos nos olhos, mãos no pensamento mas, não sendo possível, só lamento a impressão passada em controverso (teimosa em escrever versos doentes que ora choram, ora vão contentes deixo sinais de insano transtorno) Mas, se quer me entender, volte às quadras: primeira e segunda bem se enquadram à realidade onde não cabe adorno VERSUS PATHOS - Lena Ferreira - abr.15

ORBITAL

Dos astros que a noite fez junção os rastros espocavam nos lençóis estrelas estreavam nas paredes e a sede insaciável era de sóis e a fome incontrolável era de mais enquanto a lua cheia se omitia temendo o testemunho ocular do crime insuspeito, sem delito faíscas em murmúrios e fluídos fremiam gestos como oblação - no entanto, a madrugada prosseguia - cortinas engravidavam nas janelas de um vento amolecido que ressonava num uivo solitário além da rua à lua, como um lobo imponderável dos astros, a noite gestou cometas gametas da combustão por atrito riscando o teto em feixes cadentes que orbitavam pelo quarto em chamas e, abrasados pela consumação, aguardavam pelas mãos do dia que viessem recolher as cinzas - dessa explosão - ORBITAL - Lena Ferreira - abr.15

JARDIM SUSPEITO

Gosto de pensar que me espias embora saiba-te assim, indiferente aos gestos infantes, pueris, matinais aos versos tolos, todos sem sentido aos  avessos avulsos expostos na lua aos nãos que oscilam entre o sim e o talvez aos vãos tão vazios que te descompletam às cismas, pretendendo-me o ser poeta num equilíbrio inútil às vagas que tremulam sustentando o vento em todas as estações parafraseando, com essência de lírios, as gotas de orvalho na ponta dos cílios E assim,  imagino o teu riso aberto destilando liras, loas, madrigais à esse sorriso débil de entranha de muitos quereres, todos  abissais e, embora saiba-me só mais uma estranha à esse teu querer, muito, muito incapaz confesso, não importo nenhum dos pesares não meço o desvio, sigo com os pensares circulo e circulo em alucinações pelas vias de um jardim suspeito onde, só, cultivo flores e ilusões  JARDIM SUSPEITO - Lena Ferreira - abr.15

VOA

Vai, voa que eu nunca lhe quis preso a porta da gaiola está aberta sacuda de suas asas esse peso dissipa a dor que a garganta aperta É triste ouvir seu canto indefeso que, mesmo triste, todo dia oferta e não me olhe com esse ar surpreso entenda que é a decisão mais certa Prender quem nasceu para liberdade é mais que egoísmo ou vaidade é sufocar as asas do encanto Vai, voa que aqui fico e Deus me prive da tentação: castrar seu voo livre vai, voa que ouvirei daqui seu canto VOA - Lena Ferreira - abr.15

INCONFESSO

Não é a ti que espero; espero as horas que se arrastam, parecem não passam até parece que, só por pirraça, quanto mais peço passem, mais demoram Lá fora, a noite corre... Corre e chora num choro copioso que embaça completamente todas as vidraças e essa visão, é certo, me apavora Mais o relógio que, posto a parede, põe a espera incerta numa rede mortificando o pensamento em ais Minto; te espero, seja tarde ou cedo só não confesso por ser grande o medo de que não chegues nunca, nunca mais INCONFESSO - Lena Ferreira - abr.15    

VENTO MOÇO

Vento moço, filho de uma brisa constante, começou sua jornada há pouco tempo. Mas, já varre tristezas e lamentos como um adulto robusto, ventania. Levantando o pó de incertas verdades, recolheu as folhas bucólicas do outono e, prevendo o estio do próximo inverno, forrou o caminho, resguardando sementes. Tangeu nuvens cinza no céu, seu rebanho. Plantou riso farto ao chorar no plantio. Tirou pra dançar meias, lenços e lençóis estendidos nos varais no fundo dos quintais. Seguindo a jornada, espantou amarguras, sacodiu poeiras, cansaços, manias, secou a umidade que mofa as gavetas, mudou o sentido de umas setas tortas e, abrindo janelas, fechou certas portas. Bem...Depois de ventar e ventar, mais sereno, limpou suas mãos e num afago às letras, soprou de levinho uns versos de ternura. E como uma despedida sem aceno, virando-se, caminhou calmo e tranquilo, deu um suspiro de missão cumprida e voltou para o colo da mãe pra descansar por brevíssimo instante. VENTO MOÇO - Lena Ferrei

NOITES VIRÃO

Observando as nuvens gordas em lilases desviei do tom  grave imposto pelas crases que, alargadas, circulavam  pelo céu Rodopiando num balé envolto em gases declamei com o coração diletas frases que o vento morno carregou levando ao léu - noites virão que chegarão ao seu destino os versos que brincam no vento qual meninos - NOITES VIRÃO - Lena Ferreira - mar.15

LEITURAS

Corpo ...livro de estreia que conhece linha a linha onde aninha um verso novo em cada estrofe em cada página, em cada capítulo e sumário onde nascem poemas vários, sussurrantes ...quando mergulha nos vãos ainda encobertos descobrindo os desvãos que vão sob os poros brotam leituras que estendem madrugadas ...sorrindo às rimas, passeiam livres, língua e olfato enquanto murmúrios percorrem moles pelos apelos e, quando perto o verso se aproxima do abstrato, envolve-o em vaporosas e azuladas frases ...é quando esquece os seus dedos de leitura e decl[ama] o livro, inteiro em poema concreto - LEITURAS - Lena Ferreira - abr.15

CANÇÕES PARA EMBALAR SILÊNCIOS

Pássaros arrulham madrugadas com suas asas suaves, afagam a orla da lua que se veste em despedidas sussurrando promessas castas para mais uma alvorada que, com um leve suspiro de brisa, pronuncia juras em cores folhas discretas, cobertas de orvalho, observam a vaga do intento e, sustentando o peso em cada galho, sorriem de canto a canto aguardando o desfecho gérberas e tulipas bocejam em seu terceiro sono gramíneas despertas sacodem o manto de sereno enquanto um aroma frutado e fresco dança fei to dan ça do ven tre no entorno de olfatos dormentes alguns olhos sem ponteiros ainda percorrem o seu centro o céu já quase aberto inaugura um tom noviço é rala a plateia pássaros pautam a linha do horizonte em notas que se nota logo o viço: dão luz às líricas canções para embalar silêncios frágeis, serenando seus indícios CANÇÕES PARA EMBALAR SILÊNCIOS - Lena Ferreira - abr.15

- pausa -

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porque  os pés também têm sede... ...de descanso.  - LF -

PREZO

Prezo a palavra: a feia, a pobre, a bonita a áspera, a úmida, a delicada a comportada, a esquisita a que tudo diz, mesmo calada a que falada, não diz nada a que derruba a que levanta a que planta a que aduba a que encanta a que abala a que embala a que cala a que cresce a que enternece a que estremece a que me é restrita a que não fala, grita a que intimida, silencia a que intimismo propicia a que lamenta a que fermenta a que estranha a que entranha a que barganha a que enruga a que encharca a que enxuga a que estica a que edifica a que chora a que cora a que ora a que, ontem, amanhã ou agora se articula e circula sem bula nem via e se vira e delira e corteja e se atira e me beija e me beija enquanto  rezo  para que, dia após dia, ao menos uma delas  seja o que não desprezo - poesia - PREZO - Lena Ferreira - abr.15

TALVEZ

Andei pesando perda, ganho e dano pensando onde e como me valeria teimar e insistir com um insano plano que a nenhum lugar me levaria Andei pesando o dia, o mês e o ano pensando onde e como mudaria o rumo a desviar dos desenganos mas, será que assim conseguiria? Talvez devesse só deixar a vida andar com pernas de voltas e idas e não tentar com ela fazer média Talvez deixar que siga o próprio curso - que tem de tudo em seu breve percurso - sem ter a pretensão de lhe por rédeas TALVEZ  - Lena Ferreira -  jan.15

TATUAGEM

Das tardes silenciosas de outono, passadas entre o ócio dos ossos e a carne em agito, o grito oculto é somente um apêndice insuspeito. Dono de si, sujeito raro e dileto, há tempos não me visita posto que, clamando por liberdade, corre solto pelas salas. E fala. Dos aromas imprevistos para o inverno, das manias flutuantes em anis, dos amores inventados em cristais e dos copos encorpados de geleia onde, vez por outra, esbarra e espalha os cacos pelo chão. Onde me corto ainda e ainda me hemorragia. Não deveria, já que me são tão familiares. Olhares ralos em desvio, vagas de interpretação numa leitura não tão clara. Logo sara, diz. Mas, a cicatriz que poderia servir-me de lição, não passa de temporária tatuagem. Bobagem!? Tudo bem. Um dia, aprendo. Um dia, quem sabe, sem descuido, dê abrigo permanente a um silêncio assim, estéril, discreto e irrestrito. E pouparei  as tardes de todas as estações das tarefas arrastadas em pacífico conflito entre o que fora pressuposto e o que jamais fora d