Postagens

Mostrando postagens de julho, 2014

NA VARANDA

Um passo até a varanda do pensamento e já é um começo. Aliviar a tensão dos ares do interior mofado, uma necessidade. Bom mesmo seria uma faxina, retirando toda tralha, toda sorte de poeira, todo entulho, todo nada, vazio. Mas, na impossibilidade momentânea evidente, um passo para fora, penso ser mais previdente: um trago de sol, de brisa e de vento e de simplicidade. Novos ares para o mesmo momento. Outras cores para a realidade. Novo fôlego para os sentimentos. Novo ânimo para mais um recomeço. Vontade que realizo. Um passo até a varanda do pensamento e clareio o juízo entre o que penso que mereço e o que, de fato, preciso. NA VARANDA – Lena Ferreira – jul.14

ESBOÇO

Recolheu cada um dos estilhaços de tudo que foi um dia e cortando-se,  nem mais tentou estancar a hemorragia; nas mãos sangrando, certas certezas virariam cinzas Enquanto dúvidas ardiam como  brasas vivas nos seus pés, luas seguiam se alternando na órbita do seu pensamento e o sol de dentro, de tempo em tempo, recusava-se a acordar Em que mundo andei enquanto tudo aquilo acontecia? Onde estiveram esses meus olhos quando mais era preciso? - perguntas batiam à porta; respostas saltavam pela janela - Um esboço em primária aquarela disposto na mesa no canto da sala falava de um profundo abismo bebido a largos goles de vertigens emoldurado por espinhos virgens que lhes servira de abrigo Eis no esboço, suponho, a  pista  mais crua, na vista e tão nua: enquanto tudo acontecia, bebia o abismo do mundo da lua e, bêbados, entorpecidos, os olhos orbitam  somente o umbigo ESBOÇO – Lena Ferreira – jul.14

DESSE RISO

É desse riso que acorda o dia e que contagia tudo, tudo em volta É desse riso onde nasce a alegria e que as amarras sempre, sempre solta É desse riso onde a paz se desenha e que a alma sempre, sempre sereniza É desse o riso que falo e que venha; é desse riso que o mundo precisa DESSE RISO – Lena Ferreira – jul.14

SERENATA

O poema não despenca, desce em pluma em tão suave e delicada serenata num vagar feito densa e oculta bruma descem versos e mais versos qual cascata O poema não despenca, descem em pluma deslizando pelo ouvido, chega à alma até que, do seu leitor, o sentir consuma e reintegre, totalmente, a sua calma O poema não despenca, desce em pluma dedilhando lindas notas, uma a uma e traz, sempre, suas rimas mais sensatas O poema desde em pluma, tão sereno e com seu suavizar, seu canto ameno feito pluma, canta em versos, serenata SERENATA - Lena Ferreira  -  *publicado originalmente no livro ''Entre sonhos'' - Ed. Utopia - 2011*

VERMELHO VELUDO

Tentava despir-me de tua presença vestindo - ensaio - ares de mistério intercalados com olhares sérios Pensava ser mais fácil e toda tensa me vi caindo em grande despautério quando pulaste o muro deste império: Um salão vermelho forrado com veludo que, na tua presença, perde o escudo VERMELHO VELUDO - Lena Ferreira - jul.14

COLEÇÃO

E foi colecionando tempestades que aprendeu a ingerir nuvens de peso a absorver as suas gotas com vontade e a absolver o tempo, injustamente preso Na ingestão, as nuvens sublimadas estacionavam bem no canto esquerdo - por uns instantes; logo, alvoroçadas corriam pelos quintais da voz em segredo - COLEÇÃO – Lena Ferreira - 2014

ADUBO

Costumava cultivar alguns silêncios em pequeninos vasos na janela Alguns nasciam dispostos, mesmo sem norma e sem regra Outros cresciam dispostos mesmo, pelo excesso de rega Dos poucos que murcharam, descuidados, nasceriam alguns gritos Mas, transformados em adubo, fertilizaram os diálogos mais bonitos ADUBO – Lena Ferreira – jul.14

PONTUANDO

Com o tempo, a gente aprende a usar a vírgula a nosso favor e respira mais leve ao se deparar com interrogações despropositais. Aprende, também, que algumas situações não merecem ponto e vírgula nem mesmo exclamações irracionais. Com um pouco mais de tempo, a gente aprende e entende a necessidade e o momento certo para o uso das reticências e sem culpa, substitui aspas e parênteses por travessões ou travessuras. Por que não? Tão legais... Com um pouco mais de tempo ainda, a gente entende esse texto bonito que é a vida: às vezes, um confuso exercício que pede leituras e releituras, margem a margem, quantas vezes forem precisas e outras tantas mais. Às vezes, um texto comprido onde cabem, precisos, muitos pontos finais.  Lena Ferreira - jul.14

ROSA

Sou a rosa vinda de um jardim deserto que hoje se abre assim, completamente, expondo o sentimento mais ardente mantido, há muito, num lugar secreto Despetalando o verso a céu aberto espero que o bom vento, docemente, leve o aroma do meu peito urgente com a mensagem de querer-te perto Manda um sinal que sirva de resposta a estes sinais, tão meus e tão inteiros que o teu sinal amainará a lonjura (meu verso vai varrendo, costa a costa: nascido num momento verdadeiro, sussurra: sou a Rosa que procuras...) ROSA – Lena Ferreira – jul.14

OLIMPO

"Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos Como um Deus e amanheço mortal..." (Lenine) * E na noite que desliza em tom solene solicita, solitário, compreensão às estrelas que, caladas, nunca mentem; mais fazem sentir o gosto da ilusão No pensar que possuía em suas mãos todo o mundo, tolo, julgando imortal entre aplausos, o ego vencendo a razão ergueu na alta nuvem frágil pedestal - mas toda nuvem, um dia, chove, é natural... - No silêncio das estrelas, o abandono sem resposta e insatisfeito, adormece sonha o Olimpo, acorda e já não tem trono; mais um ''Deus'' que como mortal amanhece OLIMPO – Lena Ferreira – jul.14

VEM SER

Entre o certo e o errado tudo é aprendizado Entre o aplauso e o assombro tudo é peso no ombro Entre a rima e o verso livre nada o que dizer que prive Entre a vaia e o dedo em riste nada de sentir-se triste Entre a lua e as estrelas seja quem a oferecê-las Entre o sim ou entre o não deixa: vem ser coração VEM SER – Lena Ferreira – jul.14

POR DIREITO

Se durante uma batalha não atinjo minha meta sigo em frente, linha reta consciente dessa falha Levo o bom aprendizado que nem sempre o que se visa é o que se mais precisa; facilito os pés, cuidados Posso até sair de cena aparentando cansaço mas não me rendo ao fracasso; minha alma não é pequena Num descanso necessário repenso minha conduta retornando, logo, à luta com um outro itinerário Há vezes, insistir parece inútil considerado o desgaste e o preço pago pelo que nem sei se mereço vestindo, às vezes, um motivo fútil Contudo, desistir é covardia diante de qualquer objetivo da luta, que me faz mais vivo; da luta que me faz ver poesia Eis a certeza que alimento, enfim: por mais cansado que esteja meu peito tudo aquilo que for meu por direito encontrará um jeito de chegar a mim POR DIREITO – Lena Ferreira – jul.14

VEJO

"Estes sãos os dias em que os pássaros voltam. Muito poucos, apenas um ou dois Para dar uma olhada para trás." Emily Dickinson  * E nestes dias, fartos do voo em círculo vejo alguns pássaros, num pouso consciente espiando o passado como simples visitante agradecidos olhares, um pouco mais experientes E nestes dias, enquanto descansam breve vejo-os aspirando cada pena, cada pluma, uma a uma, inspirando asas mais leves; vejo que, para um amplo voo, se arrumam VEJO - Lena Ferreira – jul.14

DECORAÇÃO

. Muda a cor da parede muda a trama da rede e não vê solução Muda a cama, o armário muda o escapulário e não vê solução Muda o vaso do canto muda o manto do santo e não vê solução Muda o criado-mudo muda o espelho, o escudo e não vê solução Muda tudo no quarto muda o “fico” e o “parto” e não vê solução Muda, arranja o seu peito: tira o pó, troca o jeito; muda de coração DECORAÇÃO –  Lena Ferreira  – jul.14

CELEUMA

Por que tanto incomoda a noite escura? É pergunta com resposta irrelevante posto que já amanhecera o bastante acima dos olhos de grave censura... Por que tanta acusação sob tortura? A resposta vem de um vento equidistante apontando, como um inventariante: repetidas salivadas de amargura, Repetidos lances em raso mergulho na escassez de água, bêbada de orgulho pelo brilho de uma lua acinzentada... (se a intenção for dissolver esse problema, não só aponte esses fantasmas em celeuma; seja luz à essa noite atormentada...) CELEUMA – Lena Ferreira – jun.14