NO QUINTAL
De quando em quando, o vento mudava o enredo e lá ia eu para
outro delírio. E, só.
Voava em pensamento com
as pipas coloridas que salpicando o céu de dezembro, lambia-o com suas rabiolas-bailarinas
e quando eram ‘cortadas’ após um duelo coreográfico, meu pensamento ia encontrá-las
no suposto lugar da queda, acarinhando as ‘feridas’. Mas logo seguia em outra
viagem.
Olhava para o jardim ralo que, cercado por um canavial,
assustava muita gente. Para mim, nunca
foi um jardim somente. Era o mundo inteiro que eu conhecia e era imenso e me pertencia. As
árvores eram minhas irmãs e confidentes. Ouviam pacientes, segredos e medos infantes
e respondiam sempre solidárias, com frutas e flores e silêncios.
A cerca em frente ao
quintal, feita de bambu, era meu limite. Poucas vezes, ultrapassei sozinha. O
máximo era me esticar para espiar os piques e as gudes dos meninos. Não me apetecia o além daquele espaço
conquistado pouco a pouco, dia a dia. Naquele quintal, todos me conheciam,
desde a pedra que descansava ao lado do poço até as borboletas dos fins de
tarde. Saudavam-me cordialmente e eu cordialmente respondia.
Tecíamos comentários e impressões diversas sobre tudo um
pouco do que acontecia naquela vidinha agitada só nossa e inspirados inventávamos
histórias, estórias, romances, finais
felizes.
Quem ouvia nossas conversas, corria a contar para os quatro
ventos: essa menina endoideceu de vez!
Então, vovó Binda que cuidava de mim e de mais seis netos,
preocupada, contava para o papai que, nervoso, falava com mamãe que, atarefada
com suas encomendas de costura, dizia: deixa a menina. Crescendo, passa.
(...)
- ...quem sabe, um dia. –
NO QUINTAL - Lena
Ferreira - nov.14
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