PELA PORTA DOS FUNDOS
Era cedo e, no espreguiçar rotineiro antes de sair da cama,
percebi entrar pela porta dos fundos um silêncio terno que se sentou ao meu
lado. Não havia vento nem brisa, apesar da janela aberta. As cortinas iam imóveis
e os móveis, parados. Não ouvia o farfalhar dos pássaros como costumeira recepção
matinal, apesar de vê-los empoleirados nos galhos. Não havia um sinal de ruído
em volta. Nenhum passo nos cômodos, nenhum riso de estio. Tudo era como um
delicado vazio.
Nada se movia a não ser o pensamento que girava diante dessa
situação intrigante. Somente eu, o silêncio e um barulho incômodo vindo de
dentro que, há tempos, ensaiava uma conversa.
Sem saída, rendi-me aos seus apelos e, assistida pelo
silêncio, pus-me a ouvi-lo.
Falou-me das insatisfações e dos gritos abafados que
suportou calado por conveniência. Falou-me das desistências, de suas vontades e
de tantas verdades que me negava a ouvir. Falou-me das somas, dos sumos sumiços
e dos compromissos que sempre adiava. Falou-me das cismas, das oscilações e dos
sermões escritos sem pô-los em prática. Da tática, da mística, dos mitos, dos
ritos, dos ditos cheios de agonia. Falou
também da necessária competência em lidar com talvezes, senões e poréns sem fazê-los
reféns.
E quanto mais falava mais me encolhia, pois no fundo sabia
que tinha razão.
Falaria mais ainda nessa manhã estranha e atípica, não
fosse um lenço de renda que, espichando-se para ouvir o nosso diálogo, escorregou
do armário e espatifou-se no chão.
- Ainda prosseguiremos nessa conversa. - disse-me o barulho. Imediatamente concordei.
O silêncio, afagando-me por dentro, plantou algumas de suas sementes no meu centro. E, com um aceno de até breve, saiu por onde havia entrado levando nos braços o meu mais profundo agradecimento.
A essa altura, os pássaros mais espertos faziam algazarra no
topo das árvores enquanto um vento brincando com as cortinas, provocava
gargalhadas nos móveis. A casa sorria novamente, cheia de ruídos.
Aos poucos, tudo voltava a ser como sempre foi.
Menos eu.
PELA PORTA DOS FUNDOS - Lena Ferreira - abr.15
Comentários
Beijo ternurento
Clau Assi